Viajar no tempo
Por José Luís Nunes Martins, publicado
em 4 Ago 2012 - 03:00 | Actualizado há 1 dia 22 horas
Não se envelhece por sonhar demais, nem
tão-pouco por acumular passado. Só fica velho quem se esquece que uma vida
nunca dura demais. Nunca.
O que cada homem é depende tanto do seu passado como do seu futuro. O
presente resulta de uma tensão entre aquilo
que já se foi e aquilo que se há de ser. A identidade humana emerge pois do
encontro, ou desencontro, entre as memórias das coisas passadas e dos sonhos
futuros.
Cada homem viaja, à velocidade da luz, entre o passado e o futuro. Só o
momento atual é concreto. As memórias têm afinal a mesma consistência que os
sonhos.
A fórmula que explica os porquê e os para quês da nossa alma não prevê uma
contabilidade direta dos factores, ou seja, a nossa identidade, não é
estabelecida apenas com base nem factos passados nem naqueles pelos quais se
luta e espera, mas, cada um destes pontos, tem o nível de importância que o
sujeito lhes atribuir. Pode assim um facto (aparentemente) insignificante na
vida de alguém ter uma importância maior se o próprio lhe conceder esse valor.
O mesmo se passa com os sonhos, que apesar de poderem ter uma bondade e
estrutura admiráveis, se o próprio não acreditar efetivamente neles, terão
muito pouco peso na sua identidade. Muita gente sonha apenas como forma de
passar o tempo... o seu presente é apenas um passado dilatado.
Cada homem deve conhecer o seu ponto de partida e esforçar-se por conhecer
com rigor o percurso que fez até ao ponto onde se encontra. Só assim saberá
onde está, e o que fez para chegar aí. Conscientemente, deverá sonhar sempre,
para que, a cada momento, escolha um futuro de entre os infinitos possíveis.
Pode o homem mudar o seu passado? Sim. Não os factos em si, mas a
importância que lhes é atribuída. Toda a harmonia e equilíbrios internos serão
diferentes.
Pode o homem mudar o seu futuro? Não. O futuro de cada homem não está
estabelecido, é algo que deve ser construído, não é pois sujeito a alterações à
partida. O homem está condenado a ser profundamente livre.
Viajamos em direção à morte. Mas não à morte absoluta. Os sonhos são atos
de generosidade pelos quais cada homem se ultrapassa a si mesmo e coloca fora
de si o que é. Atos de amor, pelos quais a intimidade se partilha e o futuro se
faz presente, o sonho é algo perante os qual a morte nada pode.
A ninguém é dado viver no passado, nem no futuro. Vive-se no intervalo
entre os dois, onde o passado se desvanece ao ritmo em que o futuro ganha
consistência.
Não se envelhece por sonhar demais, nem tão-pouco por acumular passado. Só
fica velho quem se esquece que uma vida nunca dura demais. Nunca.
Somos viajantes, sempre. Estamos aqui de
passagem. O sentido do que aqui vemos, fazemos e sonhamos pode não estar ao
alcance da nossa compreensão. Afinal, por que razão haveríamos de ser capazes
de compreender tudo? Ser feliz talvez não seja um prémio guardado para colmatar
tribulações, mas antes e tão-só uma forma de viver. Uma forma de viajar entre o
passado e o futuro.
O que leitor era, antes de ter começado a ler esta folha de papel,
entretanto, passou... a própria luz que o ilumina já é outra... daqui a pouco,
terá oportunidade de concretizar um sonho. Um qualquer. Deve acreditar nele ao
ponto de fazer sem temores nem tremores o que for preciso para o tornar real.
Pode nada dar certo, mas será, ainda assim, bem diferente do que se escolher
nada fazer.
Não faz qualquer sentido estarmos à espera de nós mesmos. Os sonhos são
atos de amor, formas concretas de afirmarmos a existência... através da
liberdade que nos torna responsáveis por nos darmos à felicidade.
Amar é receber o presente do sonho.