Dos sofrimentos
úteis e dos inúteis
Por José Luís Nunes Martins, publicado
em 24 Nov 2012 - 03:00 | Actualizado há 22 horas 45 minutos
Já há sofrimento inevitável que chegue na
vida, não é preciso escolher o que pode ser evitado
Conhecer a história da vida de alguém pode revelar
muito pouco a respeito do que ela irá fazer hoje. As circunstâncias mudam, a
capacidade de escolher altera-se, o simples facto de ter consciência de estar a
seguir uma linha pode ser o suficiente para querer sair dela.
É certo que o ser humano tende a refugiar-se no
hábito. Mas é também verdade que nunca deixa de ser livre, ainda que permaneça
fiel a uma determinada opção. Ser-se obediente é sinónimo de uma liberdade
elevada, assumida e forte. Mas há poucos homens livres a este ponto.
A consciência reescreve os dados do passado a fim de
criar narrativas mais ou menos fantasiosas que ou nos apoucam os falhanços ou
nos aumentam os sucessos. Assim, a imagem que temos de nós mesmos é quase
sempre fruto desta distorção. Na verdade, talvez não sejamos tão bem sucedidos,
inteligentes e talentosos quanto julgamos... tendemos a olharmo-nos como heróis
que já superaram mil e um cabos de outras tantas, ou mais, tormentas.
Há nestas narrativas a posteriori um erro comum.
Trata-se da ideia de que há uma relação direta entre o valor do objetivo que se
pretende e o sacrifício que é necessário para o atingir. Como se as coisas boas
tivessem sempre um preço justo a pagar em dor, direto e proporcional. Assim não
é. O sofrimento de um caminho, por si só, não é garantia de que o caminho seja,
sequer, certo.
Tende-se a promover o sofrimento como a pena a pagar
pelo que é bom. Assim, há muitas histórias onde a moralidade subjacente é a de
que só com espírito de sacrifício se podem alcançar bens valiosos. Na
realidade, por vezes é assim que acontece, mas não é sempre. Muito mais são os
sacrifícios que se fazem em favor de alcançar... coisa nenhuma. Há,
infelizmente, muita dor em vão. E há bens, muito valiosos, raros, ao alcance da
nossa mão, aqui, já... nem acreditamos de tão simples!
O sofrimento não é bom. É um mal. E, todo aquele que
quer ser feliz, deve lutar contra o mal, no campo do inimigo – se necessário,
mas nunca fazendo lá a sua casa. Já há sofrimento inevitável que chegue na
vida, não é preciso escolher o que pode ser evitado.
Também não vivemos para estar alegres a cada minuto. A
felicidade será uma forma de caminhar, mais que um prémio no fim de um qualquer
caminho espinhoso. Devemos aprender a enfrentar a vida com generosidade, dando
sempre o melhor de nós mesmos, e, quando for tempo de enfrentar o sofrimento,
que o façamos então com coração cheio de amor, não pela dor, mas pela vida.
Nascemos com uma vontade grande de viver, mas há quem
teime em querer sofrer a cada hora... ora porque não tem o que deseja; ora
porque o tem mas receia perdê-lo; ora, finalmente, porque perdeu o que tinha...
Aqui, talvez seja bem mais justo olhar a vida como uma
dádiva contínua que envolve um mundo imenso de possibilidades. Mais, talvez a
essência da vida seja a sua dimensão intemporal. Eterna. Daí, esta vontade
funda que é a certeza de um infinito.
Há instantes em que experimentamos o eterno aqui.
Sempre breves. Simples. Mas um sinal. Como um raio de luz que nos ilumina o
caminho a partir do destino. A partir de nossa casa.
Ser feliz talvez passe por uma capacidade de partilhar
o nosso caminho, de aceitar como nossas as dádivas das alegrias e das dores dos
outros. Obedecendo humildemente, a cada instante, à nossa essência, a esta
vontade infinita de ser feliz, nos caminhos deste mundo, apesar de tudo.
Lutando contra todo o sofrimento. Contra todo o mal.
Investigador
Escreve ao sábado