Visualizações de páginas no último mês

sábado, 8 de agosto de 2009

THE STORY


Nasci em 1961 e fui criada numa família conservadora mas moderna para os tempos de então; frequentei a escola particular como na época era suposto, andei no piano e na Alliance Française.
Fui uma menina superprotegida pela família e amigos. Reconheço que entrei para a faculdade sem conhecer a maioria dos palavrões que existem.
Quando fui lançada às feras de uma faculdade, a 90 kms de casa, pela primeira vez longe dos papás, só uma recomendação levei do meu pai: “Porte-se como uma senhora”.
Tive a sorte de não me instalarem num lar de freiras o que me permitiu, com amigas que conheci na altura, alugar um apartamento na zona Central de Évora, perto de tudo, e tive a maior sorte em conhecer os melhores amigos do mundo. Desde o Porto à Madeira conheci pessoas extraordinárias com quem ainda hoje mantenho contactos e que mais do que isso, permanecem no meu coração.
Terminei o curso em 5 anos….Para quem sempre sonhou com medicina licenciar-se em Zootecnia não foi tarefa fácil. As cadeiras de Matemática pareciam não acabar mais….Hoje entendo…A Matemática tanto explica a curva de crescimento de um ser vivo como as mais avançadas teorias da expansão do Universo.
Acabei o curso, vim para casa estagiar numa herdade a 6 kms de casa e ao mesmo tempo comecei a dar aulas visto o estágio não ser remunerado: lembro-me de ir ordenhar cabras às 6 da manhã, tomar um duche e ir dar aulas às 8,30.
Entretanto um dos meus amigos de infância transformou-se em namorado e depois de 5 anos de namoro casei.
O meu casamento foi…..Um sonho realizado. Fui feliz. Muito feliz.
Talvez por isso mesmo, por me sentir a viver um conto de fadas, me senti sem chão debaixo dos pés quando o meu ex me diz, um dia, depois de jantar que queria “ir curtir a vida sozinho”.
A minha filha mais nova tinha na altura 7/8 meses e a mais velha 3 anos.
A sensação que tive na altura foi de ficar a pairar. Sem saber se virava para a esquerda ou para a direita, se tinha lar se não tinha; acho que deixei de saber até o meu nome.
Mas eu sou Forte. Deus quando me “construiu” meteu entre as placas de cimento do edifício umas barras de aço.
Continuei a trabalhar, a amamentar a mais nova, a conviver com amigos, (dava aulas nessa altura no liceu e num curso de tratadores e desbastadores de cavalos) na Chamusca.
Muitas vezes levava a bebé no carro por causa da mama.
A minha vida já estava a flutuar na altura: o marido para um lado, eu e as filhas para o outro; nunca sabia quando ele estava, quando vinha a casa, quando ficava a noite fora….Quando tive as provas da existência de outra pessoa, mandei-o sair de casa. Para sempre.
A vida continuou, a casa manteve-se. A minha sogra não aguentando assistir ao desmoronar da família enfiou-se num avião e foi para África.
De manhã pagava para a vizinha da frente me ficar com a pequenina, a empregada levava a mais velha à escola quando eu não podia e…a minha querida mãe à tarde apoiava-me no que podia.
A vida continuou.
A separação foi em 1999 e o divórcio litigioso em 2002, Abril.
Nesse mesmo ano, após um surto de sintomas que os médicos atribuíam ao stress, descobri por uma TAC e RMN que tinha um tumor cerebral do tamanho de uma ameixa.
Quando percebi, antes até dos médicos me dizerem fosse o que fosse, a minha maior e enorme preocupação e pensamento foi: “ COMO É QUE VAI SER COM AS MINHAS FILHAS?? COMO É QUE VAI SER COM AS MINHAS FILHAS???”
- É incrível como numa situação limite, nos esquecemos de nós, não pensamos no que há depois da vida e só conseguimos pensar em coisas práticas!!_
Quem vai ficar com elas? Se a operação correr mal onde vou ser enterrada?? Etc….
Após uma série de peripécias no HSM e aconselhada pela minha prima médica que fez o favor de me salvar a vida, fui operada num hospital público pelo melhor professor de neurocirurgia que penso existir em Portugal: o Professor António Trindade, colega de curso de outra prima minha mais velha.
Lembro-me de equacionar ir para a CUF ou para o HSM…e a minha prima disse-me: “Preferes ser operada por um médico fresco, de manhã ou por um cansado ao final da tarde? Preferes ter 100 anestesistas, 150 cardiologistas à disposição se algo correr mal ou os 2 ou 3 de serviço como nos hospitais particulares?”
E fui para o HSM: a nível burocrático absolutamente desastrosos: perderam-me o processo “n” vezes e no próprio dia da cirurgia, vi literalmente a minha vida a andar para trás, quando um anestesista com um ar blasé, motard, tipo “tudo na boa” me pergunta: “então o seu tumor é do lado esquerdo não é??”
Eu não caí da marquesa da cirurgia porque não calhou: “ Doutor, eu tenho o tumor no lado direito!! Zona parietal direita!!!” _ eu tinha lido que nos EUA um doente morreu por um engano destes, num livro escrito pelo prof. Lobo Antunes.
O anestesista insistiu: “ mas aqui no relatório, diz do lado esquerdo!!! Só se a dactilógrafa se enganou…Deixa cá ver as TACs…”
Ufffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffffff………………………………………………
Acordei passadas 6/7 horas e a 1ª coisa que disse foi: “como era o aspecto do tumor?” _ ao que o idiota do assistente me reponde ironicamente: “não tenho microscópio nos olhos!!!!”
Entretanto proibi os meus pais e amigos de me visitarem naquele famigerado 8º piso do HSM: só os meus primos e irmã, os menos impressionáveis lá foram.
Aquele piso era um filme de terror: pessoas acidentadas que não sabiam onde estavam ou quem eram, velhinhos a morrer sós, cheios de Alzheimer, estudantes universitárias e jovens mãe com tumores malignos a fazer quimioterapias e… cabeças agrafadas por todo o lado.
4 dias de internamento depois, tive alta. Estava tão fraca e tonta que desmaiava sentada.
Fui recuperar para casa da minha querida mamã e… com aquelas comidas óptimas…e ao fim de saber os resultados das biopsias e sentir-me com um pouco mais de força fiz as malas e praia…De chapéu na cabeça claro..nem podia molhá-la no mar.
A vida retomou o seu curso, Graças a Deus e a todos quantos me apoiaram.
Entretanto em final de 2003, altura do Natal, soube que o meu melhor amigo de faculdade estava com uma LMC.
Uns dias melhores, outros piores, a ser tratado com o que a Ciência propõe de mais moderno, durou 3 anos, sempre a trabalhar e de sorriso nos lábios como era seu apanágio.
Em 2006 piorou e foi internado para a última tentativa: transplante de medula.
Não resistiu.
Durante 3 meses de internamento_ ele que estava tão afeiçoado à sua casa de Évora recém remodelada_ nunca se queixou. Eu falava com a sua mulher e minha melhor amiga 3X por dia e ela só me pedia para rezar por ele.
Ainda me despedi dele: combinámos umas jantaradas em Monsaraz bebendo uns belos tintos alentejanos.
Faremos isso, se um dia o encontrar: o que duvido, ele era 1000X melhor pessoa do que eu.
Nesse fatídico ano de 2006, duas grandes amigas minhas adoeceram com cancros graves e raros.
Estão no meu coração e nas minhas orações. Estarão sempre.
Entretanto o meu pai e posteriormente a mãe tiveram enfartes. Durante uns tempos não fiz mais do que dar aulas, tomar conta das miúdas e correr para Lisboa para os ver.
Em 2008 a mãe descobre que tem cancro da mama.
De novo entraram em acção os melhores médicos do País: o director do IPO na altura, Ricardo Luz, o dr. Santos Costa, o cirurgião Canto Moniz, a Dr.ª Sofia Braga, foram todos inexcedíveis. O que não impediu que a mãe, depois de ter passado por uma cirurgia conservadora, 6 quimioterapias, 33 sessões de rádio e de ter recebido os parabéns dos médicos, tivesse partido um mês depois de ter sido “declarada” curada.
Creio que morreu em Paz: pedi às enfermeiras para nos darem um quartinho, rezei o terço com ela como ela fazia todos os dias e vi-a deixar de respirar.
Levantei-me calmamente e chamei o pessoal de serviço: sim, a mãe tinha partido.
A vida teve que retomar o seu curso.
As minhas filhas aceitaram a partida da avó: creio que o facto de serem Cristãs as ajudou a perceber tudo melhor.
Voltei a trabalhar depois da semana de luto.
Dentro de mim cresceu um cardo horrível chamado revolta.
Não consegui voltar a ser a “menina pacífica” que me educaram para ser.
Durante este período que relatei da minha vida tive 3 ou 4 namorados que não sei como , fizeram sempre o favor de não estar presentes quando eu mais precisava.
Peanuts.
Depois disto, tudo o resto são peanuts.
Depois de ter escrito isto, de ter feito a catarse das mágoas, não me parece que precise mais de psicólogos.
Apenas uma conclusão consegui tirar desta história que é a minha: eu sou uma MULHER FORTE.
Ao lado de uma mulher forte não pode nunca existir um homem que se esconda atrás das trincheiras.
Por isso, “mes amis, mes amours”,nem aqui nem em lado nenhum procuro nada.
Apenas ambiciono a Paz de Espírito e a Aceitação da vida como ela é.
Não se admirem se as respostas por vezes forem “tortas” ou as palavras mais duras e com as letras todas: como eu disse, cresceu um cardo dentro de mim.
Perdoem se houver alguma coisa a perdoar.
Esta sou eu sem espinhas nem osso.
Beijos a quem me lê.

Isabel

5 comentários:

  1. Bom este texto!
    Dava um bom livro....
    Bêjo e resto de boas férias!
    Susana

    ResponderEliminar
  2. Estou impressionado
    Não acho nada que dê um livro. Acho que é um retalho de vida, exposto com a minúcia de um patologista, o furor de uma cantora de ópera ou toureira e a e a paixão de uma teresa de àvila e tudo sintetizadeo dá uma senhora chamada Isabel quelhas ribeiro
    Deve ter doído...
    um abraço
    MCH

    ResponderEliminar
  3. Obrigada pelos comentários.

    Obrigada acima de tudo por me lerem.

    Isabel

    ResponderEliminar
  4. Isabel, segui o seu conselho e vim espreitar,adorei a forma como escreve e descreve a sua vida,um pouco amarga,mas vivida com muita força e com vontade de a adoçar,sei que já conseguiu,por toda a energia que transmite...
    Desculpe estas simples e modestas palavras.
    De um amigo novo e desconheçido...:)

    Luis Leal

    ResponderEliminar
  5. Auttchhh!
    ISABEL,
    deixe que lhe diga! para o que conheço de si você é, sem meias palavras, uma força da vida!!!
    vou por isto em termos toureiros.
    tem a força, a arte, e o saber intuitivo para levar as coisas por diante, só! lanceando de capote toda a sua amargura e recortando finos derechazos de muleta com os toiros que enfrentou.
    posso dizer do fundo do coração, bem à espanhola, perante uma recortadíssima faena: oooleéé!!!!.
    agora, depois deste assomo toureiro, deixe que lhe diga que escreve de forma fluida e que prende, é difícil, eu sei, escrever assim sentimentos e descrever em tão poucas palavras uma vida de dureza, solidão (mesmo no meio de mil pessoas) e luta.
    aqui, pelo que escreve o seu texto é dorido mas curativo é um fim de estádio, com recuperação total.
    encerra você em si toda a beleza da arte de saber viver a vida no que tem de bom e de mau.
    o texto?
    não daria um livro, a vida? um filme de almodóvar!
    no son ellos soy jo toda!!!

    ResponderEliminar