Ninguém
tem muitos amigos
(Por José
Luís Nunes Martins, publicado em 18 Ago 2012 - 02:00 | Actualizado há 16
semanas 5 dias)
Neste mundo
cada vez mais distante e deserto é urgente preservar o amigo, viver o amor,
para que não se seja apenas mais um
A maior
parte daqueles que nos estão próximos farão as malas assim que o céu se cobrir
de nuvens. Bem a tempo de não lhes cair nenhuma lágrima nossa em cima.
Mas,
infelizmente, também nós somos dos que se afastam quando os que connosco contam
de nós precisam...
Talvez o
leitor se julgue bem-aventurado por contar com muitos amigos. Mas a sabedoria
antiga adverte que vive feliz aquele que nunca tenha de pôr à prova os seus
amigos... Mais, julgamo--nos a nós próprios, quase sempre, como bons amigos de
outrem... mas será que somos capazes de o ser de verdade? Qual o limite de
adversidade a partir do qual abandonaríamos esse papel? Afinal, a dureza da
prova de amizade em nada se compara à troca de sorrisos depois de uma piada. A
vida real é a sério, passa por muitos caminhos duros até... encontrar caminhos
ainda mais duros. Sermos capazes de pensar em alguém que não em nós mesmos é,
neste cenário, algo arrojado. Raríssimo. Quase ilógico. Sem reciprocidade
garantida. Solitário.
É comum (e errado)
o preconceito de que todas as pessoas amam. Como se amar fosse uma espécie de
prémio distribuído de forma universal e personalizada a todos e cada um dos
seres humanos. Não. Muito longe disso. Poucas pessoas são capazes de amar,
porque isso não é nenhuma recompensa, mas uma firmeza capaz de seguir adiante
pelos trilhos mais impiedosos. Quase um castigo voluntário em nome de algo
maior que nós.
Há ainda que
ter em conta que as coisas que não têm fim assustam qualquer espírito menos
sólido, porque comprometem a essência de uma forma não egoísta, não lhe
permitindo vaguear/errar ao sabor dos prazeres imediatos. É bem mais simples do
que parece: um amor que acaba prova que nunca chegou sequer a existir.
Hoje, com as
novas tecnologias, a ilusão da proximidade é de tal forma convincente que cada
vez há mais distâncias... pobrezas que se escondem por detrás de horizontes em
forma de montras de intimidade... gritos desesperados de quem se vê num deserto
de emoções... onde todos parecem felizes mas, na verdade, cada um vive no fundo
de um poço. E porque hoje se busca mais ser resgatado do que resgatar, há cada
vez mais vítimas e menos heróis...
Nascemos sós
e morreremos sós.
À tristeza
da solidão não faltam nem beleza nem grandeza. Mas o abandono dos que
julgávamos chegados revela tanto sobre eles (os que partiram antes mesmo de
chover) como a respeito de nós mesmos que, crédulos, julgámos ser uma excepção.
Cumpre-nos não lhes seguir o exemplo.
Se ser amigo
é raro, abrigar um amor no coração é-o superlativamente. Nem todos os caminhos
são para todos os caminhantes e, perante os mais penosos, apenas aqueles que
percebem que há valores mais altos que a própria vida seguem adiante. Caminham
mesmo descalços por onde for necessário para não deixar o amigo só.
Há quem
considere que a amizade é uma forma de amor. Concordo. O que ama é um amigo
absoluto. Sem porquês nem para quês. Apenas para se ser quem se é. Dão-se as
mãos e enfrentam-se as tempestades. Vive-se, e morre-se, sem nunca fazer contas
ao que passou. Olhos postos no sonho. O verdadeiro amigo será feliz ainda que
numa vida carregada de sofrimento, porque a sua existência tem sentido, ao
contrário da esmagadora maioria dos demais.
Neste mundo
cada vez mais distante e deserto é urgente preservar o amigo, viver o amor,
para que não se seja apenas mais um.
É a mais
impiedosa das tempestades que naufraga perante a firmeza de um amor autêntico.
Afinal, nenhuma tormenta dura para sempre.
Investigador,
escreve ao sábado